julho 29, 2013

H. P. Blavatsky

Desembainhou a espada como quem se prepara para a guerra. É claro, não havia guerra, somente ele. O Imperador Amarelo já estava cansado de ficar ajoelhado daquele jeito. Não havia opção, afinal a espada já havia sido desembainhada. A armadura, apesar de forte, não resistiria ao golpe.
Munido de toda a sua certeza no Tao, o Imperador Amarelo atravessou-lhe a lâmina afiada. O movimento foi transcendentalmente leve, como de um planeta que gira em falso no espaço sem matéria. Mas não foi em falso, o corte acertou em cheio o Espelho. Estilhaçou-se em dois pedaços e, então em mil, e depois em dois e em três mil. Os estilhaços caíram no chão de Gaia, bem perto dos joelhos do Imperador Amarelo. Um pedaço se desmanchou em oceano, noutro cresciam árvores, vales, montanhas e o Sol. Logo ali noutro nasciam galáxias, deusas e animais, enquanto uns apodreciam e evaporavam sem deixar o menor rastro de que existiram.

O suicídio não fora sem dor, mas a Espada nunca corta uma planta que não possa florescer de novo. Quem é mesmo que sofria?
Pois só neste momento é que o Imperador viu a moldura que segurava o espelho, que há poucos segundos refletia sua imagem. Não havia mais espelho a distorcer a Vida, somente o espaço vazio à sua frente. E, diante da vacuidade inerente à situação, iluminou-se. Não mais uma coisa contra a outra, e sim todas as coisas, da forma como se apresentavam ali. Não havia dor, nem clarividência ou ocultismo. Somente o Imperador Amarelo, nu, diante do Si-Vazio que antes refletia sua imagem. Não havia i-magem, i-mago, i-maginare. Não havia mais guerra a vencer, pois tudo o que era podre havia sido morto ao desembainhar de sua Espada. Só restava o vazio da potência de Ser o que tinha acabado de se tornar: O Imperador, Aquele em cuja palma da mão repousam centenas de milhares de Universos.

"A mente é o grande Assassino do Real. Que o Discípulo mate o Assassino." - Fragmento I

julho 28, 2013

Inverno-me

Venho defender o inverno. O ar fica espesso, como que esperando pra eu te esperar. Respiro fundo e o vento é frio, mas meus pulmões estão quentes demais. Você sabe que eu já não tenho mais cartas na manga e minha safra de vinhos já acabou. Os insetos e as galáxias se escondem e se protegem do calor do frio. Sim, porque frio também é calor debaixo das cobertas, minhas e suas. Frio também é calor quando o inverno esquece de esquentar e, dai, temos que nos esquentar por conta própria.

Esquenta-me e esquece-te, e nos aqueceremos nas cobertas dos planetas.

 

julho 20, 2013

Amizade, sal e limão.

Tenho contemplado em minhas horas não tão vagas a semelhança que o destino me vem apresentando entre os seres humanos e as bebidas que ocupam minhas garrafas. Existem aquelas pessoas amargas demais, que - em um gole -, te jogam para baixo. Existem também as que precisamos tomar em pequenos copos, caso contrário há o risco de overdose, vômito e aversão por prazo indeterminado. Existem também aqueles que sempre estarão com você em todos as festas, raves e aniversários do tio-avô de 3º grau, meus champagnes favoritos. 
Tem também aquelas pessoas que sabem destilar somente o suficiente de licor na boca, nem mais, nem menos. Que sabem beber e que sabem ser bebidas. E que sabem, principalmente, como uma boa dose de embriaguês faz toda a diferença em algumas horas. Existe toda a antecipação para o degustar de um bom vinho, você sabe. E, assim também, são algumas pessoas. Um destilar de aromas e sabores e, sem que você perceba, já está ali você tomando goles gigantescos. Existem as pessoas fermentadas, as pessoas destiladas e as pessoas que preferem mesmo um bom suco maguary. Mas, por enquanto, descobri que quem mais me faz salivar é quem topa tomar um porre juntos, um do outro. Desses de passar mal no dia seguinte mas, na outra festa, já estar bebendo de novo. Embriagar-se do outro é uma arte que requer uma boa dose de não dosar-se. É transbordar a taça da alma, acabar com a garrafa do vinho, é colocar todos os limões na caipirinha que é a vida minha e tua. Sabe, é nessa de embriaguez de gente que talvez se possa sanar-se e, quem sabe, voltar para a sobriedade com a alma um pouco maior. 

E já dizia Beaudelaire: Embriagai-vos!  De vinho, poesia ou virtude, como achardes melhor.
E, enquanto nem a poesia nem a virtude vem, que seja uma cerveja contigo no bar.

julho 19, 2013

Palavra, o Deus de Mercúrio

Palavra é pseudópode linguístico.
Vai Mercúrio, corre pra contar as boas-novas. De pés alados, num salto já está ali por entre os deuses, suspirando sonhos de nós, reles humanos. Conta. Mas, se for pra contar, conta tudo. Não me omita, e, ao contrário, me permita o acaso de dizer: Suas palavras não servem os deuses em nada. Corre no vazio, grita no silêncio, que ninguém te escuta lá em cima. Sim, porque palavra é só palavra. 
Articula o melhor que pode, mas tenha certeza que palavra é só palavra. Percebe que ela sempre aponta pra outra coisa que não é ela; palavra é sempre miragem. Tudo o que pode fazer é apontar, para cá, para lá. E, se já não te bastasse a falta de vocabulário, voce ainda me vem dizer que tem contigo a verdade dos afetos? INFAME! Te repito: palavra é só palavra.
Se, entretanto, ousar acreditar em mim, te convido a des-silabar e des-fonetizar teus verbetes, e verás, caro Mercúrio, que tuas palavras te apontam pra outro mar, bem longe da terra firme do discurso. Sim meu caro, porque palavra não é só palavra: é bússola. Então me faça o favor de parar sua rota interminável pelo céu, e olhar para onde vai. 
"Pra onde vão as palavras?" perguntaria o planeta desavisado, e já lhe digo: não vão a lugar nenhum: São seta, só apontam.
Se ainda quiser ir comigo proutro lado da tua lábia, então saiba disso: palavras são só miragem. Pronuncie-as como quem profetiza um destino: sim, porque palavra é só selo de carta que tá endereçada pra você mesmo. Desenvelope-a da fonética, dos trava-línguas e da dicção impecável do melhor orador do planeta, e então verás o que sobra dela: Uma seta.
Mercúrio, segue a seta como quem não quer nada, e verás; O discurso só discursa, o afeto sim é que afeta. Então faça um bem à humanidade, e pára de achar que em sua voz está o amor, a vida, a morte e a tensão de tudo aquilo que é humano; não, não está. Palavra é só palavra. O que se esconde no fundo dos desagravos, greves e desapegos da palavra é a sagrada alusão aos deuses, mas nunca os deuses em si. Desiluda-te de miragens, dispa-te do dicionário, e começa, sempre pé ante pé, a ver pra onde desembocam essas suas palavras.
Segue a estrela mais rápida no céu e ficará dando voltas em torno do próprio rabo. Sai da tua órbita; pára e vê pra onde é que esses seus pés alados te levam. Mergulha no rio no qual você só vê a própria imagem refletida e ali, Mercúrio, do outro lado, verá a verdade das palavras e dos afetos.
Mas, para não invalidar meu argumento, te relembro: tudo o que lhe disse é só discurso, porque o que quero dizer é indizível...

Voluntariamente


Certa vez fiz-me voluntário
Volume, voltagem e valor,
E de mim fiz um otário
Já que é tempo de amar, amor.

O convite ainda está de pé,
Mas você anda descalça.
Vai lá e me esquenta um café
E aproveita e me traga uma taça.

Traga a taça sim, 
De água, conhaque ou vinho.
Beberemos até a última gota
Que é pra você não sair de fininho.

Afinal a vontade é voluntária,
Não menos que o amor, a morte ou amada,
Diga-me que queres ficar por vontade otária,
E te farei poesia requentada.